PARTE III - BOM DIA, KARMA

SAISON : FALL / YEAR : 2021 / PHOTOS : @tomhgn_ / VIDEO : @Adgency_mediagroup 

 

CAPÍTULO 1 - FANCY SHOOTING

Não tenho tempo para entender, nem para me mexer, a sala agora está cheia de estilhaços de vidro brilhantes. As balas de kalashnikov não tiveram problema algum para atravessar a janela de vidro. Meus ouvidos zumbem, não ouço mais nada. Sarah ainda está nos meus braços, seu olhar assustado cruza com o meu, eu a puxo para trás da ilha central da cozinha, ela fala, grita, mas eu não ouço nada além desse zumbido insuportável. As duas acompanhantes tentam se proteger. A primeira leva um tiro na cabeça. A segunda tem mais sorte, uma bala estoura o copo de uísque que ela segura na mão, depois ela consegue fugir gritando enquanto eu pego minha arma na gaveta da cozinha. Disparo alguns tiros, tento encontrar uma estratégia para sair dessa enrascada. Dou uma olhada para ver se Sarah está bem, mas ela está banhada em um poça de sangue. Verifico seu pulso, como se tivesse alguma experiência nisso, mas seu rosto, seus olhos arregalados dizem mais do que qualquer batimento cardíaco. Acabei de perdê-la pela segunda vez. A porta dos fundos está entreaberta, preciso pensar na minha sobrevivência. Vou embora.

 

CAPÍTULO 2 - STORM

O espetáculo é impressionante. A casa está completamente revirada, tenho a impressão de que um tornado passou por aqui, apagando toda forma de vida, destruindo tudo em seu caminho. Aqui estou eu em uma baita encrenca, eu, jovem vagabundo até alguns dias atrás, recém-formado no grande banditismo, agora suspeito perfeito em uma história de assassinato. Eles me encontraram... Eu já desconfiava que os quinhentos mil reais iam fazer falta para alguém. E é por esse dinheiro que eu arrisco voltar ao local poucos minutos depois do massacre. Claro que as sacolas desapareceram. Eu olho para o corpo inerte de Sarah caído no chão. Impossível saber qual papel ela teve nesse massacre, mas esse tiroteio ocorrido poucas horas depois da chegada dela não foi coincidência. O cheiro de sangue substituiu o do álcool, são 6 da manhã. Enquanto o trovão ribomba, relâmpagos iluminam essa cena de guerra, como se o clima não fosse suficientemente elétrico. Estou pobre de novo, mas vou me lamentar depois, sirenes de polícia soam ao longe. Não vou me demorar.

 

CAPÍTULO 3 - FRIED CHICKEN

Quanto mais as sirenes se aproximam, mais eu me conformo: não vou escapar deles. Só há uma estrada que leva à vila, e mesmo que eu conseguisse chegar ao carro, não poderia descer sem cruzar com aquelas caras sujas. Preciso de um plano. Corro para a garagem, esperando encontrar uma solução. Com um olhar, escaneio seu conteúdo: um velho 2CV coberto por uma lona, uma bancada mais ou menos organizada onde estão peças de carro e várias ferramentas, alguns móveis desmontados empilhados em um canto, um galão de gasolina. Este último servirá. Pego-o e corro para a cozinha. As sirenes estão próximas, muito próximas, ouço quando entram na propriedade. Pego uma garrafa de vodka vazia, encho com gasolina, agarro um pano velho e está pronto. Por sorte, há apenas um carro com dois policiais dentro. Espero que saiam, não vou agravar minha situação. Enquanto eles entram na casa arrombando a porta da frente, passo por trás e, com um grande gesto, lanço o coquetel incendiário sob o Scenic. Sem olhar para trás, corro até meu carro, ligo-o, deixando para trás um incêndio magnífico.

CAPÍTULO 4 - QUEDA SEM FIM

Levantar-se após quedas repetidas é a história da minha vida. A perseverança, o skate me ensinou essa qualidade. Recuperar-se após uma fratura, uma torção, ou alguns arranhões, lutar por horas contra a complexidade e a ingratidão dessa disciplina, tudo isso me forjou uma mente de aço. Mas desta vez, tenho que enfrentar outro tipo de queda. O fundo do poço está próximo, e vou precisar de mais do que boa vontade para escapar da espiral infernal que gira sob meus pés. De frente para o mar, tento relativizar meu caso. Afinal, não fiz nada de errado além de atirar algumas balas em caras que tentavam me matar. A polícia não demoraria a divulgar minha descrição, eles tinham visto meu carro, e mesmo em Cannes, é difícil passar despercebido com uma Corvette Stingray de '69, comprada à vista de um armênio alguns dias antes. Na Croisette, aproveito meus últimos minutos de tranquilidade, antes de uma fuga que provavelmente duraria uma eternidade.

CAPÍTULO 5 - PARANOID

Com passos apressados, caminho pelas ruas de Cannes para comprar o que preciso para iniciar minha fuga da melhor forma. Um maço de Camel e cerca de vinte sanduíches triangulares, isso basta para sobreviver alguns dias. A caixa me encara como se eu tivesse matado alguém. Os pedestres, os comerciantes, as crianças, ninguém tira os olhos de mim. Por que todos me encaram assim? Eles estão sabendo? Já circula um retrato falado em todos os canais de notícias? Estou em plena crise de paranoia, e a ressaca das drogas tomadas na noite anterior não ajuda. Meu celular! Eu o carrego desde o começo como se não estivesse sendo vigiado pela polícia, pela máfia marroquina, pelo Google e por todas as malditas redes sociais juntas. Preciso mesmo jogar fora esse maldito telefone. O que vou fazer sem internet, sem GPS? Eu que passo o tempo todo gritando ao meu redor que posso me livrar dessa tecnologia quando quiser, agora que estou encurralado, a história é outra. Depois de 15 minutos arrancando o chip desse maldito telefone, corto-o ao meio, depois quebro o telefone contra uma parede, isso alivia. Finalmente estou livre da tecnologia. Entro no carro e ligo o V8.

CAPÍTULO 6 - DRIVERS CLUB

As estrelas brilham, os faróis do carro se refletem no asfalto envidraçado que a chuva transformou em um enorme espelho. Eu vagueio, atravessando a noite, sem rumo. Isso me lembra minhas primeiras voltas, minhas primeiras horas com um volante nas mãos, sozinho e livre. Esses momentos de solidão com como único companheiro um rádio e compilações de rap francês gravadas em um CD-R. Mas desta vez, o ronco do V8 substituiu as rimas do Rat Luciano. Não posso ouvir música, meu cérebro vai explodir, preciso de silêncio. Cada quilômetro percorrido me afasta da cena do crime. Cada litro de gasolina consumido me afasta das grades. Sou um extraterrestre errante no meio das estrelas, cuja planeta foi destruída, ou melhor, que destruiu seu planeta tentando se aproximar do sol. Uma alma perdida em fuga, sem medo, sem dinheiro, e cheia de remorso. Não vou dormir esta noite, preciso devorar o asfalto, partir longe, muito longe. O tráfego, até agora relativamente fluido, se intensifica, os carros desaceleram, no horizonte o luar dá lugar a reflexos azulados. A fuga não vai durar muito...