PARTE IX : PRONTO PARA VIVER

ESTAÇÃO : SPRING / ANO : 2023 / FOTOS : @tomhgn_ 

CAPÍTULO 1 - ADDICTED 

Meu negócio está indo mal, eu consumo o lucro sem piedade, e o pouco dinheiro que sobra, eu gasto em álcool barato, jogos de azar e prostitutas. Infelizmente, eu adoro isso. Os clientes estão cada vez mais raros, a droga não está mais na moda, substituída pelas redes sociais, televisão, propagandas excessivas. As pessoas nem têm mais tempo para se drogar. Que tristeza. Então hoje, eu circulo onde os excluídos escolheram morar: o terreno baldio do Affenage. Essa terra de ninguém onde ninguém ousa se aventurar, na saída da cidade, abriga mais viciados por metro quadrado do que o Harlem dos anos 70. Se há um lugar onde posso conseguir algum dinheiro, é aqui. Eu caminho por esse lixão a céu aberto disfarçado, para fazer meu negócio sem chamar muita atenção, mas minhas roupas meio limpas e meus dentes completos me traem rapidamente, e eu me torno alvo de todos os viciados em crack da região, a multidão se fechando ao meu redor. O cheiro é nauseante, vejo mãos esqueléticas se estendendo para mim para revistar meus bolsos. Fico preso nesse mar de viciados que me sufocam pouco a pouco, quando de repente, uma mão pousa no meu ombro.

CAPÍTULO 2 - GENTLEMEN CLUB

Projetado para trás, eu atravesso a massa de moradores de rua em alta velocidade, meus pés nem tocam o chão. Sem entender como, acabo longe da multidão, sentado no chão. Três grandes silhuetas se desenham na densa névoa de fumaça e poluição do terreno baldio. Eles vestem ternos pretos um pouco desgastados pelo tempo, estilo James Bond, mas depois de ter lutado com quarenta comunistas com as próprias mãos. Seus sapatos pretos recém-encerados ainda mostram sinais de desgaste. Depois de conversarem em particular, eles se aproximam de mim: "O que você está fazendo aqui?". Eu me levanto, tiro o pó das roupas, deixo um momento de silêncio antes de lançar um pequeno: "Vocês são policiais?". Os caras riem como mafiosos sicilianos, então o maior dos três responde: "Somos o oposto dos policiais, lutamos pela liberdade, somos o Gentlemen Club". Começo a me perguntar em que enrascada maçônica eu caí, então outro acrescenta: "O que você faz tão longe do seu mundo perfeito que te estende os braços?". E dane-se, esses caras são só malucos vestidos de pinguins: eu lhes explico minha atividade, conto que na cidade a situação é complicada, que o ser humano me enoja, com sua tecnologia e seu vício em digital e redes sociais. Os três se olham, me olham, e o maior fala novamente: "Podemos dar um sentido à sua vida, mas para isso, você vai ter que nos seguir".

CAPÍTULO 3 - UNDERGROUND

Quando um dos três caras se aproxima de uma boca de esgoto para levantá-la, começo a me perguntar se acompanhá-los foi uma boa ideia. O cara se vira para mim e me convida a segui-lo. Uma pequena escada mergulha nas profundezas. Não consigo ver o fundo, é estreito, mas eu reúno toda a coragem e começo minha descida nas trevas. Não sou claustrofóbico por natureza, mas, para ser honesto, estou morrendo de medo e realmente me pergunto o que vou encontrar lá embaixo. Depois de 5 minutos descendo, chego a uma sala bastante escura e empoeirada de cerca de cem metros quadrados. O cheiro é horrível, e um dos caras me olha rindo: "Não se preocupe, você vai se acostumar". Eu descubro o que me cerca: teias de aranha cobrem as paredes úmidas, velhos neon piscam, um Porsche 911 completamente queimado está no meio da sala. Como ele foi parar aqui? Escrito na fuligem, posso ler claramente na porta "Ready to live". No fundo da sala, vejo uma pesada porta de metal com uma fechadura de código. Depois de digitar a combinação, um dos caras abre a porta para mim, e o que descubro supera tudo o que eu poderia imaginar: uma verdadeira cidade subterrânea, do tamanho de vários campos de futebol, onde milhares de pessoas vivem, casas à vista feitas de canos, metal... Tudo está limpo, estamos muito longe de uma favela, é uma verdadeira metrópole organizada.

CAPÍTULO 4 - SURFANDO NO TREM

Eu sigo meus guias por um dos becos estreitos da cidade subterrânea, tenho a impressão de que algo está acontecendo. Centenas de pessoas trabalham em computadores de última geração, linhas de código passam nas telas, o calor dos servidores funcionando a todo vapor é insuportável. Os caras me explicam que vão mudar o mundo, que estão trabalhando em um projeto secreto que vai revolucionar a sociedade, e que precisam de soldados para derrubar o sistema. Mas eles não se demoram mais no assunto, e a visita continua. Eles me levam acima de um vagão de metrô, o da "cidade de cima". Um dos caras me olha com um leve sorriso e diz: "Agora, vamos ver se você tem coragem". O chão começa a vibrar, o metrô se aproxima, passa por nós, então, num impulso de loucura, um dos caras pula no teto de um vagão. Sem ter tempo de entender o que está acontecendo, uma mão me empurra nas costas, e eu me lanço também. Eu rolo sobre o metrô em alta velocidade, me agarro no que posso para diminuir minha corrida. Fico aterrorizado nos primeiros 5 segundos, depois, aos poucos, me agacho no vagão, cabelo ao vento, e começo a curtir o momento. A sensação me lembra minha juventude descendo os downhills de San Francisco de skate: é demais. Quando o vagão desacelera, um dos caras pula para uma plataforma à direita. Um pouco desapontado que o passeio termine tão rápido, eu o sigo, já ansioso pela próxima sessão.

CAPÍTULO 5 - EDUCAÇÃO DO INFERNO

A sala está escura e sombria, parecia um grupo satânico. Centenas de crianças recitam textos de cor, animadas por um guru vestido como um cantor de metal finlandês, tudo mal iluminado por algumas velas. É macabro. Minha empolgação com essa nova aventura diminui. Um dos caras me olha e entende pela minha cara que preciso de explicações: "Não se preocupe, é uma passagem obrigatória, precisamos acostumar nossas gerações jovens à violência e aos vícios do ser humano. Eles precisam aceitá-los, compreendê-los e controlá-los. As pessoas lá em cima se enganavam, tudo era adoçado, belo e radiante". Ele me explica que o sistema educacional deles é baseado no aprendizado dos pecados do ser humano, com os 7 pecados capitais amplamente estudados. A ideia era incutir nossas desvios nos mais jovens para que eles estivessem conscientes de suas fraquezas e dos obstáculos que encontrariam na vida: a aceitação contra a negação, indispensável para eles na construção do Novo Mundo. Eu estava cético: no momento, parecia mais um rito pedófilo. Bem, afinal, o sistema educacional da superfície incentivava os mais jovens a fazer selfies e se tornarem influenciadores, não poderia ser pior. A visita continua, e finalmente vou ser informado do que realmente está acontecendo nos porões da cidade.

CAPÍTULO 6 - TITS ATTACK

Eu entro em uma sala de conferência que parece uma sala de crise da Casa Branca. Uma dezena de telas ficam acima de uma grande mesa de reunião equipada com microfones. Sou revistado meticulosamente, apenas o interior do meu reto é poupado. Até agora, eu me sentia em um filme de ficção científica, mas os minutos que viriam superariam todas as minhas expectativas. Um cara se aproxima da mesa, meio magricela, vestido normalmente, com óculos quebrados consertados com fita adesiva. Um tipo de Steve Jobs versão anos 70, quando ele ainda usava LSD. Ele parece ser o líder dessa insurreição. Por mais de 10 minutos, ele me descreve a situação de crise que a sociedade está atravessando, com as redes sociais e o embrutecimento geral da população. Ele me explica com fervor que a única solução para acabar com tudo isso seria um apagão total da Internet, mas que o sistema sendo complexo, a rede não poderia ser desligada tão facilmente. Era preciso fazer com que a decisão viesse de dentro, era preciso forçar o sistema a se autodestruir. E para isso, ele havia imaginado uma solução radical: um ataque cibernético pornográfico. A essas palavras, é difícil manter a seriedade e não imaginar esse pequeno geek se masturbando na frente do Pornhub enquanto elabora seu plano. Ele me explica que as telas do mundo inteiro transmitiriam em loop filmes pornográficos, como uma chuva de seios meteóricos caindo sobre as cidades do globo. O governo não teria outra escolha a não ser cortar a Internet para erradicar o problema, e depois, após um período de certa anarquia, o terreno estaria fértil para a elaboração de uma nova sociedade.