PARTE II - BUSCA DA FELICIDADE

SAISON : SUMMER / YEAR : 2021 / PHOTOS : @tomhgn_ / VIDEO : @Adgency_mediagroup 

CAPÍTULO 1 - SEM LIMITES

As sirenes da polícia gritam, e o tráfego intenso da rodovia A9 impede que os seiscentos cavalos presos no estábulo se expressem livremente. O tenente da gendarmaria atrás vibra, seu sorriso no retrovisor me arrepia, seu olhar malicioso me faz pensar em um membro do KKK contemplando a cruz. Eu odeio os policiais, a forma como eles se colocam acima para esquecer que, no fundo, são apenas pobres seres humanos escravizados com um diploma médio e um quociente intelectual duvidoso. É a primeira vez dele também. Carro novo, nova designação, ele está como um galo no papo ao volante de sua Mégane novinha. Ele não consegue acompanhar, eu sou a águia da estrada, a RS6 grita, bato freneticamente nos faróis altos enquanto a estrada vai se abrindo pouco a pouco. Ele se agarra, o danado, como se a vida dele dependesse disso, mas não é suficiente. Ao longe, um caminhão se prepara para ultrapassar. A pequena janela, entre a barreira de segurança e o monstro de 16 toneladas, não ficará aberta por muito tempo. Acelero... Por um breve instante, eu a vejo na minha frente, com sua longa foice, e seu esqueleto magro escondido sob essa capa preta. Não vou morrer hoje. Eu passo! Enquanto meu capô roça o enorme Scania à minha direita, dou uma última olhada no retrovisor: o policial ainda está lá, mas seu olhar mudou. Não havia espaço para dois loucos entre o caminhão e a barreira. Boa viagem.

CAPÍTULO 2 - JANTAR DO DON

O imenso lustre adornado com cristal, as tapeçarias refinadas na parede e as cadeiras rangentes de inspiração Louis XVI. O ambiente é exagerado e a clientela à sua imagem: velhas burguesas enrugadas com brincos grandes demais e cabelos muito engomados. Quanto à nossa mesa, ela se destaca um pouco. Alguns têm os pés na mesa, outros enrolam baseados. Garrafa de champanhe de cinco notas no balde, um pequeno Châteauneuf-du-Pape 2006, estamos no auge. Um verdadeiro clipe do SCH. É minha primeira vez em um grande restaurante. Me sinto um mafioso, com meus grandes gestos e minha boca grande. O cara na minha frente já viu de tudo, o tráfico, a prisão e provavelmente pior, mas acabei de mostrar a ele que por trás da minha aparência de skatista inocente, eu podia trazer sem problemas meia tonelada de pólen cuidadosamente peneirado das montanhas do Rif. Então ele ignora minhas palhaçadas de bêbado. Quando levanto a pesada campânula de bronze que cobre meu segundo prato, aparece uma 9mm. Parece uma relíquia saída dos subterrâneos de Sarajevo. É meu presente. Ontem um simples fracassado com relações duvidosas, hoje um jovem novato no grande banditismo. Em uma ida e volta ao Marrocos, mudei de status. Agora, preciso me recolher.

CAPÍTULO 3 - POÇÃO ROXA

A fila dessa farmácia é meio que um verdadeiro circo. Um verdadeiro ponto de encontro de viciados buscando sua dose de Subutex. Tem um que grita, outro que passeia dois cachorros na coleira, três velhos que mal conseguem ficar de pé e uma mulher grávida completamente bêbada. Analiso o logo da farmácia para esquecer essa cena. Esse símbolo é meio estranho, esse tipo de cálice cercado por uma serpente, parece mais um símbolo pedo-satânico do que o emblema da ordem dos farmacêuticos. A definição no Google indica que a taça é aquela na qual Higia, filha de Esculápio e deusa da saúde, dava de beber à serpente do templo de Epidauro. Não entendi nada. Mas saio desse inferno com código suficiente para saciar a serpente, a deusa e todo o Tour Bus da Three 6 Mafia se for preciso. Tenho coisas para comemorar. Para isso, aluguei uma villa nas alturas de Cannes. Depois de toda essa adrenalina, precisava me acalmar, desacelerar meu coração, e para isso, nada melhor que uma sessão de sip. A geladeira é enorme e contém gelo suficiente para me servir umas cem copos. Preparo minha bebida como um farmacêutico sob antidepressivos. Preso à minha cup, vagueio pela casa como um fantasma, está quente e meu corpo se move sozinho. Estou precisando de um pouco de entretenimento, algumas garotas de programa não fariam mal.

CAPÍTULO 4 - PAIXÃO COLORIDA

As cores se misturam, os efeitos da lean ainda são sentidos. O dinheiro talvez não compre a felicidade, mas permite pagar duas acompanhantes nuas em uma cama, em um quarto de uma villa de luxo. Conheci Lisa e Shanon na saída de uma boate em Cannes. Duas mulheres magníficas, em casal, que vendiam seus corpos por 3000 euros a noite. Eu me sentia sozinho, sentia falta da Sarah. Definitivamente, eu tinha o dom de me apaixonar por prostitutas. Enquanto eu enrolava o enésimo baseado deste começo de noite, essas duas criaturas sublimes se beijavam, se acariciavam. É lindo. Eu desafiaria qualquer católico anti-LGBT a não se maravilhar diante de tal espetáculo. A mistura das cores, a pele ébano de uma contrastando com o branco neve da outra, uma ruiva magnífica com cabelos flamejantes. O amor e a paixão que emanam dessa cena são indescritíveis. Estamos longe, muito longe dos inúmeros pornôs que embalaram minha infância. Eu pensava que esse tipo de espetáculo inflaria meu ego, me via como um Rocco Siffredi nojento, a mão na cueca, proferindo palavras sujas para aumentar a temperatura. Mas me sinto deslocado nessa sala, e de forma alguma gostaria de sujar esse quadro. Procuro no bolso e encontro um cartão de LSD, cuidadosamente embalado em um plástico de pacote de cigarros. Coloco na língua, não deveria me fazer mal.

CAPÍTULO 5 - PORTAS DA PERCEPÇÃO

Meu cérebro está fervendo, as pupilas dilatadas ao máximo. Deitado no tapete, observo o lustre no teto, que me encara desde sempre. O que ele sabe sobre mim? Por que me fixa em seu halo de luz? Ele penetra minha mente? Deve saber o que aconteceu lá no Marrocos. Preciso parar de olhar para ele, de dar muitas informações. Apoio as mãos no chão para me levantar, meus dedos deslizam pelos longos pelos macios desse enorme tapete. Nunca acariciei algo tão macio. Parece pele de animal, e quando aproximo meu rosto desse fabuloso penugem, os pelos crescem até o teto. Me levanto e me encontro numa floresta de lã. Navego num casulo de suavidade, meus sentidos se aguçam, minha mente desperta. Ao longe, os gemidos de prazer das minhas convidadas adicionam um toque mágico a essa viagem psicodélica. Estou bem aqui, os braços dormentes mas relaxados, sinto o ácido até o fundo das minhas veias. Mas de repente, sinto falta da Sarah. Por que a deixei naquele estacionamento, o que a polícia fez com ela? De repente, o sonho vira pesadelo, meu coração aperta, fico angustiado. Me encolho num canto da sala e acendo um cigarro. Sou rico, chapado e triste.

CAPÍTULO 6 - GRANDE FUGA

A campainha da casa me faz pular um metro. Saio da minha viagem num instante. Ninguém sabia realmente que eu estava ali. A câmera do interfone está quebrada... ótimo. Olho pelo olho mágico temendo ver um cano de 9mm do outro lado. Mas é o olhar dela que eu vejo. Seu olhar magnífico. Ela me encontrou. Eu abro a porta para ela, e os longos minutos que se seguem são uma sinfonia suntuosa, onde fluido vaginal e suor se misturam e se harmonizam melodiosamente. Seu cheiro, sua pele, a curvatura de seus seios, tudo estava exatamente como nas minhas lembranças. Eu a tinha encontrado, agora podia florescer na minha vida, novamente, rico ao lado dela, atravessando os estados ao volante de um Aston Martin como Jay-Z e Beyoncé em “Bonnie & Clyde”. As duas garotas semi-nuas que se mexem na sala não parecem incomodá-la muito. Isso é um ponto positivo. Afinal, elas fazem o mesmo trabalho. Todos esses anos buscando a felicidade, finalmente sinto que alcancei meu objetivo. O que vou fazer com todo esse dinheiro? Essa se tornou minha pergunta favorita. Aninhado em seus braços, a endorfina percorre meu corpo. Mas a despreocupação dura pouco. Disparos ecoam, a janela de vidro explode, era bom demais para ser verdade.